Prefeitura transforma bairro de Caxias em “zona de guerra”

No passado, o local recebeu isenção de IPTU e ganhou obras que acabaram com as enchentes

CAPITAL 332 ChamadaQuem visita a comunidade Vila Sarapuí, no 1º distrito de Duque de Caxias, tem a impressão de que o lugar está sendo devastado por uma guerra. Os moradores dizem que estão, sim, enfrentando uma guerra de verdade: a Prefeitura contra uma população indefesa, uma comunidade que se ergueu ao logo das últimas décadas com muito sacrifício. A comunidade hoje não pode mais contar com serviços essenciais como coleta domiciliar de lixo, eletricidade, abastecimento de água, telefonia fixa e internet. O abandono é completo.

A maior intervenção pública ocorrida no local foi na década de 90, através do Projeto Baixada Viva, parceria entre a Prefeitura e o Governo do Estado, iniciativa que levou, entre outras benfeitorias, saneamento, pavimentação e iluminação pública para o local, antes chamada de Dique 1. As obras livraram os moradores de enchentes.

Alegando que será construída uma pista que cortará a Vila, o prefeito Washington Reis (PMDB), segundo pessoas da comunidade, está coagindo os moradores a deixarem suas casas sem garantia de que receberão indenização justa pelos imóveis. As obras estão em fase de licitação e orçadas em R$ 10 milhões.

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A Vila Sarpuí abriga aproximadamente de 4.000 famílias, que estão sendo forçadas a se transferirem para pequenos apartamentos no bairro São Bento, onde está sendo construído o Conjunto Residencial Bolonha, do programa “Minha Casa, Minha Vida”, do governo Federal. Embora sejam considerados posseiros, uma vez que não possuem o título de propriedade do terreno, a comunidade está isenta de pagamento de IPTU por força da Lei Municipal nº 2444, sancionada em dezembro de 2011. Ou seja, eles vivem em uma área que não lhes pertence, mas foram reconhecidos pelo Poder Público.

Ocupando casas mais simples, dezenas de moradores aceitaram ser transferidos para o conjunto. Outros aceitaram receber valores irrisórios estipulados, segundo relatos dos moradores, pelo próprio prefeito, já que não foi apresentada avaliação oficial dos imóveis. Eles estão sendo demolidos à medida que as famílias vão saindo. Segundo os moradores, o próprio prefeito estipula um preço pelo imóvel. Costuma dizer que “quem não aceitar, vai ficar sem nada”. Depois, ainda segundo relatos, aparece o presidente da Associação de Moradores, Jorge Alves Batista, o Jorge da Kombi, que está nomeado no gabinete do prefeito, e também pressiona o morador a aceitar a proposta de Reis. A declaração de que é morador do local, confeccionada pela Associação, custa R$ 150, informam os moradores.

Alguns moradores mostraram-se preocupados com a posse do novo imóvel. Segundo eles, as informações que têm dão conta que as escrituras só serão entregues em cinco anos.

Um grupo anunciou que vai resistir e vai procura a justiça para denunciar a situação que vem enfrentando. O Capital esteve no local e ouviu alguns moradores.

 

Moradores resistem ao autoritarismo do Poder Público

CAPITAL 332 Residência■ Viviane Pereira da Mata, vendedora, mora no bairro há cerca de 32 anos, 30 deles na rua Teixeira Mendes, antiga Av. Beira Mar. Segundo ela, no início de dezembro os moradores foram pegos de surpresa pela Prefeitura, com prazos curtos para decidirem sobre os seus destinos, deixando o local para a demolição das casas. “Tudo começou quando fomos procurados por representantes do INEA há quase três anos. Falaram que ia ter a obra e começaram a fazer nosso cadastramento. Disseram que teríamos três opções: aceitar a oferta de um apartamento em loteamento em construção no Parque São José, optar por uma compra assistida de um imóvel fora dali ou indenização em dinheiro.

Quando a moradora quis saber sobre a compra assistida, para obter um imóvel com as mesmas dimensões e qualidade ao que reside, o pessoal do INEA disse que não tratava da indenização. “Eles disseram que isso seria visto no futuro, depois sumiram e ouvimos dizer que o projeto não seria mais construído. E agora, no final do ano, aconteceu isso”, lembrou. “Em nenhum momento - comentou - nos foi mostrado o valor da avaliação das casas”, disse Viviane, que reside em um imóvel de ótimo acabamento, de dois pavimentos, pelo qual ainda paga empréstimo que contraiu em banco para a obra. “Como vou sair daqui para um apartamento que não cabe nada?”, indagou. “Sei que mais cedo ou mais tarde terei que sair, mas quero uma indenização por um valor justo”, disse resignada.

Sobre a tentativa de diálogo com o prefeito, afirmou: “Ele [Washington Reis] não conversa com a gente sobre a indenização, só fala do apartamento. Ele mesmo olha a casa e diz quanto pode pagar por ela, e que a prefeitura está sem dinheiro. Não é ele que tem que avaliar. Não é o secretário dele que tem que avaliar. A gente fica sob coação. Isso não está certo, tem que ter uma avaliação judicial, uma avaliação justa”, afirmou.

■ Ivani de Souza Rodrigues, também moradora da rua Teixeira Mendes, há aproximadamente 10 anos. Segundo ela, está muito difícil viver no local atualmente. “Com a demolição das casas, isso aqui virou uma zona de guerra. Os canos de água foram estourados e a fiação elétrica arrebentada. Estamos sem coleta de lixo, sem internet e correios. O que tem de sobra é muita poeira. Ficou quase impossível viver dessa maneira”, revelou. “Com a falta dos caminhões de lixo, o mau cheiro se espalhou e começaram a aparecer muitos ratos”, completou a moradora.

Ela reclamou que o prefeito não dá atenção para a comunidade. “A Prefeitura demoliu uma casa ao lado da minha. O resultado foi que isso provocou grandes rachaduras na minha casa. Na chuva que deu, entrou muita água pelo teto e pelas paredes. A gente está sofrendo com isso e ele não faz nada”, disse. Segundo ela, os moradores não podem contar nem com a Associação de Moradores, que parece estar do lado da prefeitura. “Quando a gente vai falar com o presidente [Jorge da Kombi], ele diz para nós: aceita, atura ou surta. Um absurdo. Tentei falar com o prefeito também sobre a situação da minha mãe, cadeirante, e do meu filho, que é hiperativo, não podem viver em apartamento sem elevador. Ele não deu bola e disse: é bom a senhora aceitar, senão vai acabar ficando sem nada. É muito difícil ouvir isso de quem deveria se preocupar mais com a gente”, desabafou. 

■ Delmiro da Silva mora na Vila Sarapuí há cerca de 43 anos, 13 no atual endereço. Ele possui um imóvel de dois pavimentos na Travessa Carlos Chagas, onde reside e mantém um pequeno comércio, devidamente regularizado. Assim como as duas moradoras com as quais a reportagem conversou, disse estar preocupado com o futuro.

- Algumas pessoas aceitam o apartamento, que muitos chamam de “casa de passarinho” de tão pequeno que é. Com relação ao nosso caso, de imóveis com mais valor, não fomos informados em nenhum momento sobre o valor da indenização, não sei como isso será resolvido. Só sei que não posso sair daqui assim e ir para um pequeno apartamento, que nem cabem meus móveis. E o meu comércio, como vai ficar?”, indagou.

Ele também se queixou da omissão da Associação de Moradores. “Estamos indefesos, quem deveria nos defender não nos ajuda”. Delmiro acrescentou que não resta outra alternativa a não ser buscar ajuda na justiça. “Estou ao lado dos outros moradores que vão procurar o Ministério Público”, afirmou.

■ O morador J.O.D, que ocupa uma pequena casa, abordou a reportagem quando deixava o local. Pediu, porém, para não ser identificado. Ele disse que ainda não decidiu se vai para o apartamento do PAC. Nem a Prefeitura, o INEA e a Associação de Moradores, segundo ele, dão garantia de que, deixando sua casa, ganhará a posse do novo imóvel sem nenhum ônus. “Me disseram que não vai ter escritura agora, só daqui a cinco anos. Isso tem que ficar escrito, pois os governos mudam e muitas promessas não acontecem”, afirmou. “Quem se mudou, já está pagando taxa de R$ 100,00 de condomínio. Isso não foi avisado antes aos moradores”, revelou.

“Com a Associação não dá para contar. O Jorge [da Kombi] só sabe puxar o saco do prefeito [Washington Reis], não faz nada pela gente. Para pegar uma declaração de que somos moradores do bairro, temos que pagar R$ 150,00. Pessoas de fora são cadastradas como morador do bairro para ganhar apartamento. E pagam bem por isso”, denunciou.

A Associação de Moradores, no entanto, é pirata, segundo o morador. “O presidente usa nos documentos da entidade, um CNPJ de outra associação”, exibindo uma “declaração de residência” emitida por ela em 2016 e assinada pelo próprio Jorge da Kombi. Disse ainda que a secretária de do presidente na Associação, Sra. Tatiane, que trabalha ativamente como “cabo eleitoral” em suas campanhas, assumiu o cargo de Síndica do conjunto residencial Bolonha por sua indicação.

              

Presidente de associação está nomeado no gabinete do prefeito

           CAPITAL 332 NomeaçãoJorge Alves Batista, de 66 anos, conhecido como Jorge da Kombi, preside a Associação de Moradores do bairro. Ele ficou conhecido na cidade ao eleger-se vereador em 1996, para um mandato de quatro anos [1997-2001]. Tentou se eleger mais uma vez em 2016 através do PMDB, partido do prefeito Washington Reis, mas não teve sucesso: conseguiu apenas 604 votos.

            Mesmo derrotado, não ficou sem emprego: foi nomeado pelo prefeito Washington Reis para um cargo de nome pomposo: Coordenador de Gestão de Programas e Projetos, cargo este vinculado diretamente ao seu gabinete. A Portaria nº 17997, publicada no Boletim Oficial nº 6406, foi assinada em 21 de fevereiro, com efeito retroativo a 1º de fevereiro do mesmo ano. O valor do salário é de R$ 2.500,00. À Justiça Eleitoral, em 2016, Jorge da Kombi informou que tinha a ocupação de motorista particular.

            

CAPITAL 332 Documentos Associação

A associação de moradores que emite o documento com título de “Declaração de Residência”, usa CNPJ de outra instituição com nome parecido, mas sediada em outro bairro. Os dados que constam no documento são “Associação de Moradores e Amigos da Vila Leopoldina I / II”, localizada na Rua Chico Mendes nº 95, Gramacho, CNPJ 30190151/0001-10. Na Receita Federal esse CNPJ pertence à uma outra instituição, localizada no bairro Bananal, na Rua Alexandre Gusmão nº 62, CEP 25.030-420, cujo nome é Associação de Moradores e Amigos da Vila Leopoldina I. Outra informação que levanta dúvidas é que no documento consta o número do título de eleitor do morador, com zona e seção.

 

Nota:

O Capital entrou em contato com vários órgãos para se manifestar sobre a construção da nova pista e a remoção das famílias.

O Departamento de Estradas de Rodagem do Estado (DER-RJ) informou que a obra não tem nenhum vínculo com o órgão.

O INEA e a Prefeitura não se pronunciaram sobre o cadastramento das famílias e indenizações, até o fechamento da edição. A reportagem tentou contato várias vezes com a Associação de Moradores, sem sucesso.

Já o Ministério das Cidades informou que, consultada a área técnica da pasta, não encontrou nenhum contrato que diga respeito à construção da pista.

 

Entrega de apartamentos é investigada pelo MP

O Ministério Público Federal (MPF) em São João de Meriti (RJ) decidiu apurar a regularidade da destinação de 900 unidades do conjunto habitacional São Bento, em Duque de Caxias. A medida foi adotada no último dia 25 após a realização de reunião que contou com a participação de representantes do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), da Caixa Econômica Federal (CEF), da Prefeitura de Du

 

que de Caxias e de lideranças comunitárias da região.

As moradias deveriam ser destinadas aos beneficiários do Projeto Iguaçu, idealizado pelo Inea, que tem o objetivo de promover reassentamentos e controlar inundações, promovendo a recuperação ambiental das bacias dos rios Sarapuí, Botas e Iguaçu. Inicialmente, o projeto receberia recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC2), porém houve restrições orçamentárias, impedindo o atendimento de todas as famílias. A mudança de rumos, porém, não foi informada aos moradores e a Prefeitura passou a definir os contemplados sem observar o processo dialógico que havia sido instaurado.

De acordo com o MPF, a falta de transparência e diálogo com as comunidades envolvidas, bem como a ausência de critérios para a definição de famílias que serão reassentadas, serão objeto de apuração.

 

Servidor do Inea e comparsas desviavam cheques destinados a indenizar moradores, denunciou o MPRJ

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio da 8ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania da Capital, ajuizou ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra o servidor do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) Nelson Affonso Bonzoumet, além de Carlos Henrique Galdino Dias e Marcelo Laport Da Silva. De acordo com a ação, os três desviaram cheques do Inea destinados ao pagamento de indenização e compra de imóvel para moradores de área de risco na Região Serrana do Rio.

A inicial esclarece que o fato ocorreu quando o Inea estava responsável por promover a remoção de famílias residentes em áreas de risco, cujo reassentamento ocorreu na forma de “compra assistida” (compra de nova casa) ou por indenização (pagamento em cheque emitido pelo ente federativo). Para tanto, o Estado autorizou a emissão de dois cheques em favor de Cristiane Pimentel Carreiro e Kátia Aparecida dos Santos, nos valores de R$ 62.1 mil e R$ 84.6 mil, respectivamente.  Tais títulos, no entanto, nunca foram pagos às beneficiárias e sim depositados na conta de uma pessoa com a qual o Poder Público não teve relação jurídica que justificasse tal pagamento.

- Certo é que as verdadeiras beneficiárias dos cheques, Cristiane Pimentel Carreiro e Katia Aparecida dos Santos, não receberam os valores das indenizações pelo Inea, mas sim o servidor público à época, Nelson Affonso Bonzoumet, ora réu, e seus comparsas e também réus, Marcelo Laport da Silva e Carlos Henrique Galdino Dias - narra a inicial. Para assegurar a reversão ao Estado do Rio dos valores ilicitamente subtraídos que custeariam essa política pública tão importante, o MPRJ requereu a indisponibilidade de bens no valor total de R$ 146.7 mil, bem como o sequestro e o perdimento de um terreno adquirido com o fruto desse ato ímprobo. Pediu, ainda, entre outras medidas, a perda de cargo público eventualmente ocupado; suspensão dos direitos políticos por dez anos; pagamento de multa civil no valor de três vezes o valor do acréscimo patrimonial indevido; e proibição de contratar com o poder público e ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de dez anos.

O MPRJ ressalta que os réus já respondem pelo crime de peculato em ação penal em curso sobre os mesmos fatos.

MEDCOR Exames Cardiológicos
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